quinta-feira, 25 de agosto de 2011

SEM ARREPIOS

A rua escura e a noite fria deixariam qualquer mortal de cabelos em pé, mas não ele. O ar estava seco e uma névoa cobria toda a extensão do beco. Já passava das três da manhã e nenhum ruído, além de um pinga-pinga de água, podia ser ouvido. Apenas seus próprios passos, que soavam alto a cada passada, quebravam aquela monotonia. Sua vista não podia alcançar nada que estivesse além de alguns metros de distância.

Não tinha outra opção a não ser passar o mais rápido possível por aquele lugar, que causava calafrios nos moradores da região. O beco era formado pela extensão das paredes de duas fábricas há muito abandonadas. Paredes de tijolos vermelhos, de barro, encimadas por janelões, muitos deles com seus vidros quebrados. Um lugar, de fato, aterrador, mas que não arrepiaria seus cabelos, não os dele.

Hesitou antes de tomar aquele caminho. Parou, respirou fundo, e à medida que começava a andar, aumentava a velocidade dos passos, para tentar chegar o mais breve possível do outro lado. Em determinado momento, tanto faz, se olhando para frente ou para trás, não era possível vislumbrar a saída daquele corredor macabro. Isso lhe causava certa angústia, aliás, muita angústia, mas nada que o despenteasse.

Ouviu então um barulho metálico, algum objeto que fora atirado em sua direção, ou que despencara do alto de uma daquelas janelas. Estancou paralisado. Suas pernas não mais obedeciam. Seu coração parecia querer saltar pela boca. Suava frio e apertava os olhos contorcendo-se em uma careta. Depois disso, silêncio.

Após balbuciar baixinho uma Ave Maria, descerrou os olhos lentamente e num esforço tremendo começou a controlar a sua acelerada respiração. Não sabia o que mais lhe assustava, ter outro ser humano ali, que pudesse fazer-lhe algum mal, ou não ter algum ser humano ali que pudesse lhe fazer algum mal. Quer dizer, e se fosse assombração? Tentando ser racional, ensaiou alguns passos adiante, lentamente, na tentativa de recuperar o ritmo das passadas e sair dali o mais depressa possível.

Quando já podia vislumbrar ao longe a saída daquele maldito lugar teve a impressão de estar sendo observado. Estancou uma vez mais. Lentamente virou a cabeça por sobre os ombros para se certificar de que estava sozinho. De repente percebeu uma forma, um tanto o quanto disforme, que se aproximava com certa velocidade pela direita.

Não teve dúvidas. Arrancou sua peruca com velocidade espantosa e arremessou-a em direção ao vulto, com tamanha força, que quase dera um mau jeito nas costas. Ouviu-se, em seguida, um miado ensurdecedor, que o fez tremer nas bases. Assustou-se mais do que já estava e, sentindo seu estômago revirar, disparou gritando pelos metros finais do beco, como uma gralha que levara um tiro de espingarda de chumbo.

Afinal, ele era careca, o que não o impedia de ser um cagão de marca maior, de forma alguma.

Nenhum comentário: