sexta-feira, 26 de junho de 2020

Reserva

Não me peça para explicar, porque eu mesmo nada sei de mim. E mesmo que soubesse, ainda assim, não exporia, nem em números ou em atos, as mentiras e os fatos. Tudo que sei agora, e sei porque eu sinto, é que há pedras em meus sapatos e um novo furo no meu cinto.

Sinto...

Eu poderia encher de beleza esse espaço usando, para tanto, apenas algumas palavras. Mas de que adiantaria uma beleza vazia de realidade? As palavras traduzem ao entendimento aquilo que se sente, mas isso não é suficiente. Melhor seria rasgar o peito e expor em carne viva todo o sentimento, mas isso eu nem tento. Então, eu desisto, pois minha tenacidade anda desaparecida, tem tendência suicida e nenhuma sinceridade.

Ar

Eu me questiono constantemente: por que sigo fazendo poesias ruins? Mas, vindo de onde venho, aprendi que o ar poluído é tão precioso quanto o ar puro, pois é ele que respiro diariamente para poder seguir vivendo. A poesia ruim ilumina o meu dia, como um pequeno raio de sol que atravessa as densas nuvens que o encobrem, e me permite caminhar seguro, apesar de toda sombra, rumo a lugar nenhum.

Na estrada

Há beleza em um céu cinza, carregado de energia, explodindo em relâmpagos coléricos e ribombando com seus troantes trovões. Essa paisagem que a muitos transtorna é capaz de me encher de terna alegria, pois sei que, logo, as gotas da chuva irão se chocar contra os vidros foscos das janelas do ônibus em que estou, indicando que a natureza ao redor será benzida com esta água tão necessária à vida de todos os seres. Toda tempestade guarda um novo florescer.

Vaidade

Escrevo poesias ruins de que gosto muito, mesmo sendo ruins, e não porque são minhas. Gosto das minhas poesias ruins porque elas são ruins como eu mesmo o sou, cheio de defeitos. Sim, é inegável, gosto muito das minhas poesias ruins. E se as mostro por aí é apenas para que saibam como eu e elas somos ruins. A minha vaidade é a tradução da humanidade que carrego em mim. Por isso gosto tanto das minhas poesias ruins. Eu adoro a imperfeição, a minha e a das minhas poesias ruins.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

Socrática

Pois a verdade não está nas certezas, nos dogmas, nas evidências... a verdade está na constante interrogação e na recorrente dúvida que nos impulsiona. Aquele que acha que sabe, este é o que mais distante está de um dia, de fato, saber...

Vendado

Mesmo sendo capaz de ver qualquer coisa do mundo, jamais poderei olhar no fundo dos meus próprios olhos...

Pânico

Me deu medo de me dar medo Me doeu MedoEu

Irmã

Quais os limites da minha loucura? Qual a sua abrangência? Ela está aqui, comigo, em mim, sempre... Às vezes, sutil. Outras, desavergonhada. Desde quando? Não sei ao certo. Mas já faz tempo que a conheço. Antes, procurava inutilmente fugir dela. Hoje, a convido para sentar, tomar um café - ainda que eu não o beba - e jogar conversa fora. Somos inimigos íntimos. Sei que ela é muito mais forte do que eu e que pode me derrotar quando bem entender. Por isso, procuro distrair sua atenção pelo maior tempo possível. Mas, quando abaixo minha guarda, ela sempre se faz presente e me atira na cara sua risada mais cínica e compulsiva. Não a temo mais do que a respeito. Em verdade, somos gêmeos siameses.

quarta-feira, 24 de junho de 2020

O Velho

Ele estava ali, parado, sob seus cabelos brancos e ralos, equilibrando-se a cada solavanco mais intenso do carro do metrô. Ao aproximar-se da próxima estação, o trem diminuiu de velocidade até estacar e, logo, suas portas se abriram. Os que embarcavam e desembarcavam simplesmente não o viam. Esbarravam com força e indiferença em seu corpo esquálido e ele, na loucura que brilhava em seus olhos e irrompia de seus lábios ressequidos através de palavras ininteligíveis parecia, de fato, não estar lá. Mas estava, eu posso garantir. Eu o notei, vestindo aquelas calças alguns números acima dos necessários para abrigar suas trêmulas e magras pernas, cansadas de o transportar por tantos e tantos anos. Um fantasma ainda vivo... Um ser humano... Um completo desconhecido... Um irmão... Parece que as pessoas perderam a compaixão. Aliás, será que algum dia a tiveram?