quinta-feira, 30 de julho de 2020

Bruno Rodrigues

Hoje partiu um amigo. Mas não partiu porque quis. Simplesmente foi arrebatado. Seu corpo não foi capaz de suportar o ataque voraz dos vírus invasores. Simples assim. Uma luz se apagou. Uma biblioteca ardeu. Um sorriso se desfez. E nunca mais serei capaz de ter um bate-papo com o Bruno.

terça-feira, 28 de julho de 2020

Música pós tombo

As agudas notas tiradas ao piano por mãos habilidosas vêm ferir os meus ouvidos e me lançar em uma espiral de melancolia e autocomiseração tão dolorosa quanto a dor que deveras sinto pela concreta queda em concreto duro e áspero que tatuou em minha pele cortes, lanhos, rasgos e uma pletora de tons pastéis em hematomas opacos.

Me editando

O olhar de Buda. O meio sorriso de Buda. A postura de Lótus de Buda. A sabedoria de Buda. Quem me dera ter um átimo da essência de Buda. Mas, a única coisa que tenho é essa bunda em que me sento, dia após dia, sonhando com a iluminação da minha imperfeita mente. Essa bunda imperfeitamente rachada. E Buda segue impassível, pleno, apaziguado, enquanto eu inicio a jornada que conduz à loucura que reside em mim.

A Mulher

Você que é rosa encantadora, e se defende com espinhos, e que é onça malhada que seduz, mas não se esquece que tem garras. Que é capaz de ir a farras e às forras. Você que ora sorri e ora chora, e que procura, em outro alguém, se encontrar. Você já é tudo. Um universo, com sua própria lei de gravitação, que atraiu minha atenção e meu desejo. Você, que tanto pode dar beijo, quanto gritar um palavrão a quem adora. Você, mulher inteira, sabe melhor que eu do que é capaz a lua, sabe como andar na rua e enfeitiçar quem ao largo passa. Você, tão cheia de graça e ânsia de viver à sua maneira. De amar e ser amada. Nunca esqueça de amar-se em primeiro lugar. E lembre que, mesmo sem qualquer plano, meu rio corre para o oceano, desaguando no seu mar.

VersejaDor

Hoje eu queria escrever uma poesia, mas não consegui. Não achei palavra, termo, expressão, nada que rimasse com a minha dor.

Minha Flor

Eis que do caos brota a poesia, como a pequena semente que floresce na fissura do concreto e salpica de cores o ubíquo cinza. Como a compaixão dos que não apenas estendem as mãos ao necessitado, mas também param para ouvi-los. Como o trinar dos pardais em meio ao caos do tráfego congestionado. Como a réstia de sol que que atinge sua janela, por acaso, em meio a um céu nublado. Como a sua mensagem piscando na tela do meu celular nestes dias nefastos...

Desapego

Para que se preocupar, quando nada faz sentido? Não é muito mais gostoso andar por aí despido? De algum constrangimento. De todo o preconceito. De qualquer ressentimento. Dos trapos que você veste. Daquilo que dói no peito. De tudo que é proibido. Do pouco que te pertence. Dos que morreram da peste. Do que já não tem mais jeito. Do passado. Do perigo. Da mulher que te amou. Daquele que foi seu amigo. Do teu ego. Do teu erro. Do teu orgulho ferido. Da letra que se apagou. De todo o tempo perdido. Só não te esqueças de lembrar que és apenas um fodido. Um dos sete bilhões de humanos que foi por Deus esquecido.

Essência

Após refletir a manhã toda, me dei conta de que não sou um espelho...

quinta-feira, 23 de julho de 2020

Perguntas

Se você está em busca de respostas, este não é o lugar certo... Aqui só se ofertam questionamentos...

O Novo Normal

O que é "normal"? O que era "normal"? O que será o "novo normal"? A normalidade é um conceito, muitas vezes, ligado ao modo como uma determinada cultura (seus membros e a sociedade erigida por eles) vive e se expressa. Estar "fora do normal" é ser considerado um "louco" ou um "marginal". Mas, será que a "loucura" não é o melhor remédio para a dita "normalidade"? Senão vejamos: É "normal", ou ao menos era, para um sem número de pessoas, gastar oito horas de um dia (pelo menos) empenhados em "trabalhar", em troca de um salário que permitisse atender às suas necessidades e seus desejos. É "normal" contrair empréstimos financeiros para comprar bens supérfluos ou receber a prestação de serviços que em nada, ou muito pouco, alteram a vida de uma pessoa de modo relevante. "Normal" é utilizar drogas, lícitas ou ilícitas. "Normal" é se ver obrigado a estar vinculado à uma instituição financeira que lucra com seus rendimentos, muito mais do que você mesmo, cobrando taxas e juros astronômicos. É "normal" pautar a ética de vida em alfarrábios milenares e completamente incoerentes com a vida contemporânea, supondo milagres jamais comprovados, realizados por seres imaginários, como sendo a verdade mais absoluta. É "normal" ajudar um cão faminto na rua, mas desviar o olhar quando esta fome atinge um outro ser humano (o primeiro é um coitado, o segundo um vagabundo). É "normal" acreditar que os livros de História escolares trazem narrados os fatos da maneira como se deram, contados pelos "heróis" em detrimento dos "bandidos". É "normal" julgar os outros, pela sua cor de pele; pelo seu percentual de gordura; pela sua "beleza"; pelas suas posses materiais; pela sua fé, ou pela falta dela; pela maneira de se vestir; pela forma como amam... Não é muito difícil perceber que o "normal" é, em realidade, deveras patológico. Pierre Weil, Jean-Yves Leloup e Roberto Crema, dentre outros, defendem a ideia de "Normose". A normalidade patológica. A normalidade que adoece o próprio ser humano. A normalidade que agride o mundo e a natureza. A normalidade que separa e diminui o outro. Muitos se mostram preocupados com a maneira como a vida será daqui em diante. Muitos acreditam que esta é a hora de se doar cada vez mais aos outros, alimentando o altruísmo, pensando na coletividade humana. Ao buscarmos ajudar o outro, tornamo-nos seres melhores nós mesmos. Uma evolução conjunta... Mas, e provavelmente é a grande maioria, muitos se preocupam em não poderem mais desfrutar da antiga "normalidade" ou "normose": encher a cara de cerveja, destratar os outros, assediar mulheres, dar carteiradas, subornar, roubar, fazer piadas racistas, homofóbicas, se achar melhor que os outros, brigar pelo futebol, usar a buzina por qualquer motivo, fazer ultrapassagens proibidas, furar fila, rir da desgraça alheia, fofocar... Tudo aquilo que "normalmente" faziam... Será que não há, realmente, nada de maior? Será que é, realmente, disto que sentem tantas saudades? Será que ser "normal" é tão bacana assim? Quão "normal" você é? Quão "normal" você quer ser? Isso, só você sabe, só você pode saber...

Pós Pandemia

Será que seremos pessoas melhores depois da quarentena? Depende de quem é a pessoa em questão. Há aquelas que, certamente, serão seres humanos melhores depois de passar por tudo o que o Coronavírus proporcionou à grande parte da humanidade (medo, receio, pânico, frustração, dor, tristeza, depressão, solidão, enclausuramento, desemprego, dificuldades...). Haverá, todavia, gente que permanecerá da mesma maneira que sempre foi. E, por fim, outros tantos terão comportamentos ainda piores que os que já tinham (egoísmo, narcisismo, individualismo, egolatria, consumismo desenfreado, antipatia, preconceito, xenofobia, belicosidade). Um vírus não é capaz de mudar a mentalidade de ninguém. Apenas a própria pessoa é capaz de mudar sua maneira de pensar, de refletir sobre o que acontece consigo e com os outros, com a natureza e com o mundo em que habita. O vírus pode ser, no máximo, um vetor para a mudança. Ainda que, de fato, muitos em nada mudem, os que mudarem poderão fazer isso para o bem ou para o mal (utilizando o dualismo reinante na sociedade normótica). Os que, como os cavalos domados, carregam antolhos colocados pela sua família ou grupo de influência (religiosos, políticos, sociais...) muito provavelmente irão exacerbar o uso de tal apetrecho metafórico, tornando-se, ainda mais, míopes. Os indiferentes, provavelmente continuarão a sê-lo. E aqueles que, mesmo antes de qualquer notícia sobre a Covid-19 já buscavam se tornar modelos pessoais mais evoluídos de si mesmos, seguirão na marcha, talvez com um pouco mais de dedicação. É importante sempre lembrar que, até agora, mais de 625 mil pessoas no mundo todo não tiveram a oportunidade de escolher como sairiam da quarentena, pois perderam suas vidas. Aqueles que se acham especiais, seres completos, apesar de todos os seus defeitos, nada terão para mudar em si. Aqueles que acreditam poder melhorar sempre, a cada dia, certamente persistirão em suas tentativas. E para quem isso não é uma questão, por ignorância ou escolha, tanto faz... Haverá, no futuro, quem irá se preocupar mais com o bem estar de outros seres humanos, ainda que não sejam seus parentes ou amigos. Alimentarão o altruísmo. Se dedicarão a ajudar quem necessite de seu apoio. Haverá, também, quem se torne mais egoísta, preocupado em que falte, para si, os insumos indispensáveis para uma vida plena (seja lá o que essa pessoa julgue como tal) e que não irá pensar em mais ninguém além de si ou, no máximo, num parente próximo ou amigo mais chegado. Alguns farão o possível para poluir menos o planeta. Outros, egocentrados, abusarão do uso daquilo que acreditem saciar seus desejos e vontades, não se importando com os resultados de seus atos. Logo, a questão "Será que seremos pessoas melhores depois da quarentena?" não pode ser respondida de maneira generalista. Quem quiser ser alguém melhor do que se acredita ser hoje, ou do que era antes da pandemia, provavelmente lutará para sê-lo. Quem acha que é o ser humano mais perfeito que pode ser, e já se achava assim antes da pandemia, certamente seguirá sendo a mesma pessoa. Esta pergunta não deve ser feita com relação à humanidade. Ela só possui sentido se for respondida de maneira individual por cada um dos seres humanos que forem capazes de fazê-lo.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Simples

... que para não atrapalhar a alegria alheia, eu aprendi a chorar sorrindo.

Passageiro

Pela janela do ônibus em que viajo a paisagem se renova a cada quilômetro... a cada metro... a cada centímetro... e se repete em suas constantes mudanças. Na vida, somos paisagens refletidas nos olhos que nos veem...

Perspectivas

Ache a poesia no espinho da flor, e ele não mais te ferirá... Encontre a poesia no dia chuvoso, e ele não mais te entristecerá... Veja a poesia nos olhos de quem te odeia, e eles jamais te obnubilarão...

Onírico

Esta manhã, ao sair da cama, tropecei em meus sonhos e cai em mim... Bati a cabeça na quina dos desejos e, desmaiado, sonhava estar desperto. Pensei então, "por que não vou me deitar, para dormir e sonhar com uma vida melhor?". Fui. Desde então, não sei se sigo sonhando acordado ou se durmo pesado pensando em ti.

Minha poesia

Ah, esse sorriso que eu trago na face... Não é alegria. Não é disfarce. É apenas loucura, em forma de arte, que chegou algum dia e que nunca mais parte...

Inspiração

Há dias em que a poesia simplesmente se esconde. E não há rima, não há ritmo, não há, sequer, um verso. É como se o universo não estivesse no clima. Como se partisse para não sei onde, de repente, sem qualquer aviso. E fica o poeta triste. E ele se sente fraco. E confessa, de modo franco, que preferiria viver sem riso. a deixar o seu papel em branco...

Insuspeição

Hoje eu sigo indeciso, com todas as certezas que trago comigo. Eu me rendo ao ombro amigo, inexistente, e conto a mim mesmo tudo aquilo que me perturba. Eu tenho muitas dúvidas e duvido mesmo que saiba alguma coisa. Mas eu sigo em frente, sem sair do lugar, e avanço, a passos largos, para trás. E tudo aquilo que eu queria ser um dia, eu já não fui, nem jamais sou. Me resta, portanto, desquerer querendo...

Ray-ban

Eu me vejo refletido na ausência dos teus olhos. E não gosto do que vejo. Imagino onde estarão pousando teus olhos agora, tão distantes. meus olhos choram e, em cada lágrima, teu rosto se precipita e se desfaz no chão frio. E a poça que se forma aos meus pés tem o formato exato dos sonhos desfeitos em que estou me afogando. Eu grito por socorro. Mas os teus olhos surdos não conseguem me escutar. Traz teu olhar pra mim. Ou, ao menos, coloque uns óculos escuros em que eu possa nunca mais me espelhar.

Espelho

Eu ando tão sem paciência, sem nenhuma vontade... Não sei se é sinal de demência ou se é coisa da idade. Apenas sinto que não sinto nada que me agrade, aliás, tudo me agride... E nem dormir eu quero mais, para não ter que sonhar com nada, nem ninguém. Talvez, só queira fugir de mim. Será o fim? Quem me dera... Quem me dará? Onde andará meu querubim? Morreu no dia em que nasci. Desceu à terra e o ofendi, com a descrença em seu Deus pai. Hoje a paz não me quer mais. Ela cansou da minha voz. Passou a vez. Ah, mundo sem nexo. Um caos complexo. Meu reflexo já não exibe quem eu me reconhecia outrora. Só me resta esta colcha de retalhos remendada, muito curta, onde não consigo me isolar de quem sou.

terça-feira, 14 de julho de 2020

A Paz

... poque a fraqueza está em se fingir de forte, e o remédio, quem diria, para o medo maior, reside nos próprios braços da morte.

Pânico Meu

Meu medo é insolente, me provoca todos os dias, me transtorna e ironiza. Me ataca sem piedade. Me desafia. Se apossa dos meus pensamentos. Me aponta o dedo e me cospe a face. Me avilta. Às vezes, me derrota... Mas há dias em que eu venço. E a luta nunca cessa... Meu inimigo íntimo. Esse monstro que me habita e que eu nutro, sem querer. Essa chama que alimento e me consome. Esse mal, que jamais some, mas que um dia morrerá, de braços dados comigo. Meu amigo. Meu xará. Quando chamarem o meu nome, ele é quem responderá. Minha metade, da qual nunca sinto saudade, por não se afastar de mim. Estamos condenados a um mesmo fim.

Foice

Estava lá. Esteve lá o tempo todo. Eu sempre soube que estaria lá, a qualquer hora. Por isso não dava muita atenção. Simplesmente estará lá, à minha espera. Hoje, porém, quando por algum motivo que não recordo achei de procurar por ele, se fora. Estranho. Sem mim, o que há de ser dele? Sou seu ar. E, ainda assim, foi-se. De certo fenecerá. Eu acho que o amava. Ao menos um dia o amei. Bem, já não importa. Agora será ainda mais fácil esquecê-lo. Será que chove mais tarde? Que filme estará passando no cinema? Alguém pode me informar as horas?

Esotérico

Você simplesmente não pode imaginar. Sequer consegue suspeitar. E eu não tenho o menor interesse em te contar. Porque demorou muito para que eu pudesse aprender. Sentir. Saber. E, mesmo que eu te dissesse, você não acreditaria. Por isso não te conto. Jamais te falarei. Nunca me pergunte. Seria perda de tempo para você. E, muito pior, seria também para mim.

Versejar

A poesia é rima, é arte, é pensamento. Ela é verdade e é mentira, é loucura e sentimento. A poesia me liberta, me mantendo cativo de seus versos. E eu me torno divino, usando palavras e criando universos. Se é boa ou má, não me cabe julgar, nem me interesso. Sei apenas que aquilo que meu coração sofre, eu transformo em estrofe, eu oculto e confesso.

Sons

Não ouço o som que te desperta os ouvidos. Nem entendo, ao menos, do que se trata. E, no fundo, simplesmente não me interessa. Há tanta música nas pequenas coisas cotidianas. Me basta aquilo que eu capto. Já teu silêncio me comove. É maviosa melodia que rogo escutar todos os dias.

Tonto

Se eu paro e penso e tento te entender, eu não entendo o tanto que pensas e, no entanto, fico tenso com tão intensa tentação entre o tentar e o perder-te.

Sinfonia

Uma canção composta com as cores mais sutis, e perfumada com a doçura da lavanda. Obviamente silenciosa. Interpretada por um coral de meninos cegos, surdos e mudos, em louvor do amor enterrado à força, condenado à forca, mas que jamais morreu.

sábado, 11 de julho de 2020

Meditação

Pelas ruas passam carros, passam caras nas calçadas, e reparo que não param, ou se param, não reparam, simplesmente se distraem. Todos eles me atraem. Gosto de imaginar no que eles pensam. Gosto de tentar adivinhar os seus problemas, os seus sonhos e dilemas, mas, no fundo, vejo que são todos como eu. Querem ser felizes. Querem evitar as dores e viver, pelo menos, até amanhã. Mas não sabem muito bem como fazer isso. E se entregam aos desejos que não são deles apenas para esquecerem seus medos, tão íntimos. Num átimo, embaralham os pensamentos com as emoções e distribuem as suas cartas marcadas pela ansiedade. E a verdade é que, provavelmente, sempre foi assim e assim sempre será.

Antissalmo 23

O Senhor seria meu pastor, caso eu fosse uma cabra. Como sou humano, prefiro ser senhor de mim mesmo.

Arco-Íris

Eu tenho uma dor. Ela é vermelha. E Sangra. Eu tinha uma esperança. Ela era verde. E morreu. Eu tive um sonho. Ele era incolor. E nunca mais o encontrei. Eu terei um fim. Ele é da minha cor. E me espreita, a cada instante. Mas o mundo segue. Com todos os seus matizes. Indiferente.

Ilusões

Não me apetece a liberdade. Ela não existe, de fato. Não me interesso pela paz. Ela não passa de um delírio. A igualdade já nasceu morta, ninguém a viu caminhar pelo mundo. E a fraternidade, quando muito, nunca passou do quintal da própria casa. E Deus com tudo isso? Segue sendo o desvario de mentes covardes, cegadas pela luz bruxuleante da lanterna da soberba, e incapazes de ver a pequenez de suas estúpidas vidas sem sentido. E, ainda assim, eu sorrio. Quando não estou ocupado demais em chorar.

O que será?

Não é tristeza. Certamente não é alegria. É algo indefinível. Que não chega a doer, enquanto queima, nem consola, enquanto magoa. Se eu pudesse traduzir em palavras, talvez você entendesse o que estou tentando te dizer. Provavelmente também já experimentou a vastidão desse vazio. O estrondo ensurdecedor desse silêncio possivelmente já te feriu os ouvidos outrora. Mas acontece que eu não posso. E nem você.

Insustentável

Quando, no ar após saltar da ponta do rochedo, percebo que a onda que amorteceria minha queda e me envolveria em suas águas recua rapidamente em direção ao vasto mar, não tenho mais dúvidas. Invade-me o devastador sentimento de arrependimento inútil. Os três segundos em que a gravidade exerce sua força sobre meu corpo, puxando-me em direção ao triste fim, parecem durar horas, dias, anos. Neste átimo infinito, vejo o filme da minha vida e, como todo bom filme, percebo que o final é besta e que simplesmente desperdiçara meu tempo.

quarta-feira, 8 de julho de 2020

Estúpidos

Somente uma criatura pseudo racional, como o ser humano, para criar em sua mente a ideia de um ser perfeito (GOD), que o teria moldado sua imagem e semelhança, em um universo submerso no caos...

Éramos nós

Hoje, uma mãe perturbada deixou na calçada do outro lado da rua, junto às caçambas de lixo, o corpo sem vida de seu recém-nascido rebento. Ao abrir as janelas do meu quarto vi a polícia, vi o repórter, vi um lençol que cobria o bebê, vi um céu muito azul, mas não vi sentido. A mãe, dizem que é psicótica. E quem não é psicótico? O neném, que eu não via, não era apenas uma cria humana, ele era A Humanidade, com o cordão umbilical em volta do pescoço (conforme disse o jornalista). Ele era eu e você, e todos os que vieram antes e virão depois. A nudez pura do inocente contra o cimento duro e gélido. Houve sofrimento? Sempre há. Depois que fechei a janela e não vi mais policial, repórter, lençol ou céu, tudo virou um filme que teima em passar, à revelia, no cinema da minha mente. E eu não paguei o ingresso.

Papo de botequim

... porque tudo o que eu escrevo, penso e sinto já foi escrito, pensado e sentido por alguém, em algum lugar no tempo e no espaço. Nada em minha retórica é novo, nem nos meus pensamentos ou sentimentos. Os objetos, as pessoas, os momentos podem ser diferentes, mas a essência é a mesma. A humanidade que trago no DNA, a herança sócio-cultural, a convivência, as leituras, tudo isso me tornam um indivíduo, mas não me fazem muito diferente de qualquer outro dos que viveram neste mundo nos últimos cinco mil anos. Chamo de essência os padrões biopsicológicos, as reações químicas corporais, a condenação às leis elementares da física. Não é uma essência metafísica, teológica, é bastante concreta naquilo que nos acostumamos a chamar de realidade. Minhas ideias mais brilhantes, na verdade, não são minhas. São da espécie a que pertenço. Espécie que produziu gênios diversos ao longo do tempo, categoria na qual não posso ser incluído. Um gênio é alguém "fora da curva", excepcional, inventivo, inovador. Não sou nada disso. Sou um copista, que muita vezes, por uma distração ou uma irrefletida audácia, acaba por modificar sutilmente algo que já havia sido produzido antes. E isso não me faz infeliz, de forma alguma. Newton já deixou claro que só enxergava mais longe por estar apoiado nos ombros dos gigantes que vieram antes dele. Não vejo tão longe quanto gostaria, mas sei que sem os que vieram antes e, mesmo de muitos que são contemporâneos, meu horizonte estaria restrito, basicamente, à ponta do meu nariz. Raul nos propõe a constante revisão de nossos pensamentos, instigando que nos tornemos "metamorfoses ambulantes", e ele estava muito certo. Engessar nossas mentes é a pior forma de usar o cérebro que a natureza nos legou. Chega a ser desrespeitoso. Acreditar que existe uma "verdade" e que você a alcançou é a ilusão mais débil e inocente que alguém pode ter. A vida é fluxo. A vida é mudança. A vida é mutação. A vida é caos. E mesmo que eu concorde, em parte, com a "resposta das crianças" ela, além de bonita é, muitas vezes, medonha. Na verdade, sua beleza ou feiura provém de nossa forma de conceber a estética e à mania maniqueísta de querer ver tudo sob a dualidade "Bem" versus "Mal". A vida é apenas indiferente aos nossos sentimentos, emoções e sensações. Por sermos seres sencientes, por termos três estruturas cerebrais sobrepostas (em cuja base repousa nosso cérebro reptiliano primitivo e animal), buscamos dar sentindo ao mundo que nos rodeia na esperança de encontrar, também, algum sentido para nossas vidas. Mas, para além da evolução constante da espécie da qual fazemos parte, de maneira involuntária, não há sentido algum predefinido. Somos "livres" para criar o que bem entendermos. E nossa humanidade é tão soberba que, dentre tudo mais que inventamos, geramos (idealmente) um ser igual a nós, mas muito, muito, muito melhor. Um ser que gostaríamos de ser. Eterno. Grande. Forte. Perfeito. "Deus". Inconscientemente, sabendo de nossas falhas, de nossas limitações, almejamos ser algo que jamais seremos. Por jamais termos chance de chegar a sê-lo, imaginamos que fomos gestados na mente deste ser transcendental, para dominarmos um pequeno planeta, preso à gravidade de uma estrela de pequena grandeza, nos subúrbios de uma galáxia, em um dos possíveis universos existentes. Para dar uma ideia de nossa imponência, gosto de rememorar o astrofísico Carl Sagan que afirma existirem "mais estrelas no universo do que grãos de areia em todas as praias do planeta Terra". Por que, então somos tão arrogantes? Talvez essa seja a nossa marca distintiva enquanto espécie, e essa presunção nos tenha possibilitado dominar essa "nave-mãe" que nos carrega pelo cosmo. Eu não sou nenhuma novidade no mercado da humanidade. Meu prazer é colher as ideias que os outros deixaram cair pelo caminho e formar as minhas próprias. Ainda que saiba a inutilidade disto tudo, a longo prazo, pois até lá "estaremos todos mortos", segundo Keynes, é a minha chance de sentir a vida enquanto a tenho. Um dia voltarei a forma que tinha antes de nascer. Devolverei à natureza e ao universo a matéria que eles me legaram e estarei, ainda que sem consciência, unido a eles como sempre estive, apenas em outra forma, mas certamente, não em outra dimensão, não "além".