quarta-feira, 8 de julho de 2020

Éramos nós

Hoje, uma mãe perturbada deixou na calçada do outro lado da rua, junto às caçambas de lixo, o corpo sem vida de seu recém-nascido rebento. Ao abrir as janelas do meu quarto vi a polícia, vi o repórter, vi um lençol que cobria o bebê, vi um céu muito azul, mas não vi sentido. A mãe, dizem que é psicótica. E quem não é psicótico? O neném, que eu não via, não era apenas uma cria humana, ele era A Humanidade, com o cordão umbilical em volta do pescoço (conforme disse o jornalista). Ele era eu e você, e todos os que vieram antes e virão depois. A nudez pura do inocente contra o cimento duro e gélido. Houve sofrimento? Sempre há. Depois que fechei a janela e não vi mais policial, repórter, lençol ou céu, tudo virou um filme que teima em passar, à revelia, no cinema da minha mente. E eu não paguei o ingresso.

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