terça-feira, 27 de novembro de 2007

Artigo Aprovado Para Apresentação Oral e Publicação nos Anáis do III Entur - UFF

A BUSCA DE CIDADANIA ATRAVÉS DA EDUCAÇÃO – O PROGRAMA NACIONAL DE INCLUSÃO DE JOVENS E O TURISMO NA CIDADE DE NITERÓI - RJ[1]

Erick da Cunha Coelho Zickwolff
[2]


RESUMO

Com vistas ao desenvolvimento sócio-econômico da juventude financeiramente carente da cidade de Niterói, Região Metropolitana do Estado do Rio de Janeiro, o presente artigo tem como proposta analisar o ensino de Turismo e Hospitalidade dentro do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), naquela localidade, fazendo um breve exame da educação, da economia e da política no país através do tempo, e da realidade vivida no município niteroiense. Há também uma visão histórica do relacionamento entre as cidades do Rio de Janeiro e de Niterói, e de como a atividade turística evoluiu e é vivida em ambas.
Com a dificuldade de se inserir no mercado trabalho e sem a perspectiva do primeiro emprego formal, a juventude do país como um todo, e especificamente a de Niterói, pode se beneficiar com a iniciativa do Governo Federal de capacitá-los profissionalmente, além de possibilitar a conclusão do ensino fundamental. Entretanto, há a necessidade de se investir na educação regular para que, cada vez menos, tais projetos tenham de ser criados visando o reparo de dívidas sociais, resultantes de anos de descaso com o ensino público.
Porém, o simples fato de estar matriculado em tal programa não proporciona aos jovens, instantaneamente, os conhecimentos e aprendizagens necessários. Há que haver também interesse destes na conquista de uma vida melhor, o que muitas vezes não acontece. Seja pelo fato do envolvimento com movimentos do crime organizado, ou por anos de descrédito recebido da sociedade e de familiares, muitos destes alunos não percebem o seu potencial e, por isso, obrigam os educadores e coordenadores do projeto a realizar uma labuta diária na tentativa de ajudá-los a resgatar a auto-estima perdida.
O artigo foi desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, com a utilização de fontes primárias e secundárias, em sítios da internet, artigos e livros. Foi também de grande valor para a realização do mesmo as experiências vividas pelo autor durante o período de estágio na Neltur (Niterói Empresa de Lazer e Turismo) e como educador do ProJovem, função que exerce até hoje. Este trabalho foi inspirado e é dedicado a todos aqueles que acreditam que através do estudo e do conhecimento, pode-se construir uma vida melhor.


PALAVRAS-CHAVE

Educação, Juventude, Niterói, Turismo, Inclusão Social.


INTRODUÇÃO

A educação pública de nível fundamental no Brasil apresenta problemas graves há muitos anos, desde o descontentamento dos profissionais ligados à área, até o sucateamento das escolas que, em determinadas localidades, chegam ao nível de completo abandono. Aqueles que dependem destas instituições de ensino, em sua maioria, também sofrem com problemas econômico-sociais, como o desemprego, a falta de moradia própria, a escassez de saneamento básico nas localidades onde vivem, apenas citando alguns.
A origem deste triste quadro não é recente. Ele é resultado de anos de descaso para com o povo brasileiro, que sofre, desde sempre, com a dependência econômica do país em relação ao capital estrangeiro, seja ele português, nos tempos da colonização, inglês, após a abertura dos portos às nações amigas ou mais recentemente, dos norte-americanos, que ditam as regras econômicas mundiais desde o fim da Segunda Guerra Mundial.
Em uma tentativa de reparar uma parte dos danos causados àqueles que não tiveram a oportunidade de finalizar seus estudos, ainda em nível básico, o Governo Federal idealizou o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), que visa a assistir uma parcela determinada da população jovem do país, possibilitando a conclusão do ensino fundamental e proporcionando a chance de uma formação profissional em área de atuação escolhida pelo próprio jovem.
Realizado em parceria com as prefeituras dos municípios onde é implantado, que dentre outras coisas, cedem o espaço em escolas de sua rede para as aulas, o ProJovem, em Niterói, começou suas atividades em novembro de 2006, tendo sua aula inaugural sido realizada no Clube Canto do Rio. Hoje conta com sete núcleos, localizados em bairros como Barreto, Viçoso Jardim, Fazendinha e Icaraí.
Pelo seu crescimento na cidade, nos últimos anos, o Turismo foi um dos quatro Arcos Ocupacionais
[3] escolhidos pela Fundação Municipal de Educação de Niterói para ser ministrado no município. As atividades turísticas e de apoio turístico são responsáveis pela absorção de um grande número de trabalhadores, não só de Niterói, mas também de cidades próximas, como São Gonçalo, Itaboraí, Maricá e do próprio Rio de Janeiro.
Assim, o que se pretende com este trabalho é analisar a realidade da cidade de Niterói, traçando um perfil dos estudantes do já citado projeto e de que maneira o turismo local, que apresenta melhorias significativas em aspectos como sinalização, informação e novos atrativos, pode servir como alternativa para estes jovens, em sua maioria, de comunidades carentes, melhorando a qualidade de suas vidas.
O método básico utilizado na composição deste artigo foi a pesquisa bibliográfica em fontes primarias e secundárias. A vivência do autor como estagiário da Niterói Empresa de Lazer e Turismo (Neltur), bem como educador do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem), também foi de grande relevância para a escolha do tema e seu efetivo desenvolvimento.

DESENVOLVIMENTO


BRASIL: ECONOMIA, POLÍTICA E EDUCAÇÃO – A ORIGEM DOS PROBLEMAS

Desde a época em que o Brasil dava os seus primeiros passos, ainda amparado pelas “mãos” de Portugal, até a atualidade, tempo em que os grandes mandantes do mundo são os Estados Unidos da América, a economia e, por conseguinte, a política do país se vêem atrelados a interesses externos. Apesar do brado de independência em 1822, infelizmente os brasileiros nunca puderam se considerar efetivamente livres da influência da exploração e do capital estrangeiro.
Primeiro foi o mercantilismo que modelou a estrutura socioeconômica do Brasil, com as extrações de minerais e pau-brasil, e pouco depois, com a monocultura açucareira. Nesta época começa o tráfico negreiro, ou seja, a chegada dos negros africanos escravizados, que serviriam de mão-de-obra a ser explorada.


Em 1808, com a vinda da Família Real para o Brasil, fugindo das tropas do imperador francês Napoleão Bonaparte, ocorre a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, nada mais que a transmissão da dependência econômica de Portugal para a Inglaterra, com quem os nossos colonizadores originais possuíam grandes dívidas. Com o desenvolvimento das indústrias inglesas, essas dependiam de consumidores para prosperar, e sendo os escravos impossibilitados de consumirem qualquer bem, uma vez que não eram remunerados, fez-se necessário o fim da escravidão. Justamente foram os ingleses, que antes tanto se beneficiaram do trabalho dos escravos, que começaram a cobrar a liberdade destes.
A escravidão, aos poucos, vai terminando, pelo menos oficialmente, e estes homens que conquistam sua liberdade não são assistidos por ninguém, são deixados à margem, obrigados a migrar para as regiões mais afastadas dos grandes centros, ou a subir as encostas dos morros. Começa aí o fenômeno das periferias e favelas que assolam, não só o Brasil, mas toda a América Latina.
Em 1889, o país deixa de ser um império e se transforma em república, um estado democrático, e ao mesmo tempo, capitalista. Eis aí o grande problema, a Democracia parte de um pressuposto de igualdade, sem distinções, enquanto o capitalismo é um sistema econômico baseado na desigualdade. Para que alguns tenham muito é necessário que muitos tenham pouco. Como haver justiça em uma sociedade que se apóia em dois sistemas contrastantes, dos quais o que prega a diferença entre os homens é o mais forte? Não há.
Por fim, após a Segunda Grande Guerra Mundial, dois blocos hegemônicos se formam: o Capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o Socialista, encabeçado pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O sistema socialista entrou em colapso em fins da década de 1980, e os americanos, com seu “capitalismo selvagem”, dominaram a cena econômica mundial.
Com sua economia atrelada à dos americanos, o Brasil passa a realizar, por exemplo, substituição de culturas, com vistas à exportação, o que só vem a prejudicar as camadas mais necessitadas do povo.
Para piorar este quadro, a educação do país, em seu nível público, vem enfrentando graves problemas, que vão desde o descontentamento dos professores
com os salários pagos, até o sucateamento das escolas e desvio de verbas referentes à compra de merenda e materiais escolares. Além disso, a estrutura do vestibular fomenta a criação dos chamados cursinhos, que cobram altos valores de mensalidade, excluindo assim, uma vez mais, as esferas mais pobres da sociedade, desta vez, do ensino superior gratuito.

PERFIL SÓCIO-ECONÔMICO DA JUVENTUDE BRASILEIRA

Para justificar a escolha da faixa-etária do grupo que seria assistido pelo ProJovem, dados coletados no último Censo do IBGE, realizado no ano de 2000, foram utilizados, e mostram o perfil sócio-econômico dos jovens do país.
O primeiro dado relevante em relação aos jovens, grupo etário convencionalmente delimitado entre pessoas de 15 a 24 anos, estes eram cerca de 20% da população brasileira, representando um total aproximado de 34 milhões de pessoas. Destes, a grande maioria (58,7%) vivia em famílias com renda mensal inferior a um salário mínimo.
Sendo considerado esse perfil de renda, além de outros indicadores de desigualdade social, os problemas por que passam muitos jovens brasileiros ficaram evidentes: restrição ao acesso à educação de qualidade e dificuldades para a continuidade nos sistemas escolares; inadequação da qualificação para o mundo do trabalho; envolvimento com drogas; gravidez precoce; índice elevado de mortes por causas externas (acidentes de trânsito, homicídios e suicídios); e baixo acesso ao lazer, cultura e práticas esportivas.
Foi também percebido que os jovens com idades entre 18 e 24 anos, em torno de 13,5% da população do país, eram os mais atingidos pelas mudanças no mundo do trabalho, pela fragilidade no sistema educacional e os que apresentavam maiores carências de apoio das redes de proteção social.
No ano de 2003, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), dos 23,4 milhões de jovens com idade entre 18 e 24 anos, apenas 7,9 milhões estavam freqüentando a escola. Sendo que, dos 15,4 milhões de jovens desta faixa etária fora do sistema educacional, 4,9% eram analfabetos, 35,3% não haviam terminado o ensino fundamental e 7,8% não concluíram o ensino médio.
Outro dado importante é o fato de que grande parte destes jovens também não se encontrava inserida no mercado de trabalho formal,sendo que 13%, ou cerca de 1 milhão de jovens declararam-se desempregados, enquanto 60% desenvolviam algum tipo de ocupação informal, sem carteira assinada e nem direitos garantidos.
Por tudo isso, o Governo Federal percebeu que seria importante a criação de um programa capaz de reduzir estes números alarmantes e melhorar, de forma real, a vida desses jovens.

O PROJOVEM

O ProJovem, Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Educação, Qualificação e Ação Comunitária (ProJovem), teve suas aulas iniciadas no ano de 2005, em algumas das principais capitais do Brasil. Ele é um componente da Política Nacional de Juventude, do Governo Federal, de caráter emergencial e experimental, que se propõe a atende jovens com idades entre 18 e 24 anos, que concluíram a quarta série do ensino fundamental, mas não finalizaram a oitava série, não tendo, portanto, o nível fundamental completo.
O programa é resultado de um diagnóstico sobre a juventude brasileira, traçado durante o ano de 2004 por um grupo constituído de 19 ministérios, além de secretarias e órgãos técnicos especializados. Os dados deste foram obtidos após pesquisas realizadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pela incorporação de resultados de análises e consultas realizadas pela Unesco e pelo Projeto Juventude do Instituto Cidadania.
O ProJovem oferece a seus participantes, além da oportunidade de elevação do nível de escolaridade, uma chance de inserção no mercado de trabalho, através da qualificação profissional oferecida, e também o planejamento e execução de ações comunitárias de interesse público. Há ainda para aqueles alunos com freqüência igual ou superior a 75% e que estejam em dia com a apresentação dos trabalhos propostos pelos educadores do programa, uma bolsa mensal de R$100,00.
A inclusão digital também faz parte da política de formação educacional dos jovens, ampliando os horizontes destes e inserindo-os na realidade do mundo globalizado em que vivem, com o avanço das tecnologias dos meios de comunicação, que permitem o intercâmbio de idéias e técnicas, em tempo real, de qualquer recanto do mundo, para a tela de um microcomputador.
A organização estrutural do projeto é feita como uma rede em que os núcleos representam a menor célula e se articula em Estações Juventude. Essas se ligam a uma coordenação municipal, que por sua vez, se articula com a coordenação nacional. Cada Estação Juventude é responsável pelo apoio a oito núcleos. Cada núcleo, por sua vez, possui cinco turmas com no máximo trinta jovens cada. Assim uma única Estação Juventude pode ser responsável por até mil e duzentos alunos.
Em relação aos educadores, cada núcleo possui sete docentes especialistas em uma das áreas, a saber: Matemática, Língua Portuguesa, Língua Inglesa, Ciências Naturais, Ciências Humanas, Ação Comunitária e Qualificação Para o Trabalho.
Esta última matéria se faz extremamente importante, uma vez que a dificuldade para a entrada no mercado de trabalho, pelos jovens, é crescente em nossa sociedade. Há o agravante de que os beneficiados pelo programa são considerados mão-de-obra sem qualificação, uma vez que não terminaram nem seus estudos básicos. Enric Sanchis, em seu livro Da Escola ao Desemprego, dedicado a todos àqueles jovens que não possuem outra possibilidade a não ser ocupar empregos de baixa qualidade destaca:
A formação continua sendo uma das melhores alternativas vitais para quem não cabe no mercado de trabalho, o que é particularmente correto no caso de jovens. (...) Além disso, a evolução efetiva das qualificações depende também do nível de qualificação prévio da força de trabalho. Um trabalhador qualificado tem mais possibilidades de acabar modificando as condições de um emprego banal do que um trabalhador não qualificado. (...) o mínimo que se pode fazer com os prováveis excluídos do sistema econômico é dar-lhes uma formação que lhes permita defenderem-se de maneira socialmente dirigível da selva para a qual parece que nos aproximamos. (...) Se, além de excluídos, forem analfabetos funcionais porque as necessidades do sistema econômico não justificam o investimento em sua formação, isto implicará mudanças nas previsões sobre as necessidades futuras de mão-de-obra e no tocante à vigilância e segurança dos cidadãos.
Destacando a parte profissional do projeto, a Qualificação Para o Trabalho, esta se divide em duas etapas: na primeira delas o aluno assiste a aulas de Formação Técnica Geral (FTG), que abrangem conteúdos como “direitos e deveres dos trabalhadores”, “as diferenças entre produção de bens e prestação de serviços”, “a evolução tecnológica e suas implicações no mundo do trabalho”, dentre outros. Esses tópicos dão ao jovem uma base que pode ser utilizada em qualquer atividade profissional que ele venha a desenvolver. Na segunda etapa o aluno escolhe uma das quatro opções de cursos oferecidos, agregando uma gama de informações específicas da área. É aí que o Turismo se insere no ProJovem.
O ProJovem oferece ao município onde será implantado, uma lista com dezoito Arcos Ocupacionais, que se dividem em quatro ocupações cada. O município após a análise e estudo do desenvolvimento sócio-econômico local, seleciona quatro deles para que sejam ministrados ali. Um destes arcos é o de Turismo e Hospitalidade, que se subdivide em: Organização de Eventos; Recepção de Hotelaria; Guia de Turismo Local e Cumim
[4]. O aluno, durante os primeiros seis meses de aulas, escolhe o curso que realizará nos seis meses finais de projeto.
Implantado inicialmente em Capitais Federais, onde as primeiras turmas já foram formadas, hoje o ProJovem chega também à cidades que possuem mais de duzentos mil habitantes, caso de Niterói, município fluminense com aproximadamente quinhentos mil moradores. A cidade faz parte da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, estando a apenas 14 quilômetros da capital do Estado, a cidade do Rio de Janeiro. Para melhor entendimento da situação deste município, é interessante uma rápida visão de sua trajetória histórica.

NITERÓI E SUA HISTÓRIA

Com a peculiaridade de ser a única cidade do Brasil fundada por um índio
[5], o cacique Araribóia[6] da tribo dos Temiminós[7], em 22 de novembro de 1573, Niterói teve desde seus primórdios um laço estreito com a vizinha cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Isso se deve ao fato de que Niterói “nasce” após a expulsão dos franceses que tentam implantar no território do Rio de Janeiro uma colônia, sendo infelizes desde o princípio de sua empreitada, devido a sérios problemas de organização e planejamento.
Inicialmente uma aldeia, chamada de São Lourenço dos Índios, o local cresceu a partir da instalação desta no alto do morro de São Lourenço, ponto estratégico da região por possibilitar uma visão ampla da baía e do mangue em sua base, hoje completamente aterrado. O lugar contava com a proteção dos jesuítas, que pela primeira vez encenaram uma representação teatral em solo fluminense, o Mistério de Jesus, mais conhecido como o Auto de São Lourenço, escrito pelo padre José de Anchieta.
No seu primeiro século de existência, a localidade começa a receber outros colonos, europeus, que instalam sesmarias nas regiões de Icaraí e Piratininga. Além deles, os jesuítas também mantém uma fazenda, localizada no Saco de São Francisco, onde são produzidos alimentos para abastecer o Colégio da ordem, no Rio de Janeiro. Essa colonização foi incentivada pelos portugueses pois estes não confiavam na competência dos indígenas para desenvolver as terras da “Banda d’Além. Com a morte de Araribóia, em 1587, começa a decadência do aldeamento, que é declarado extinto oficialmente apenas em 1866.
A emancipação da região se deu em 10 de maio de 1819, com a criação da Vila Real da Praia Grande. A partir de então a localidade passou a ter independência político-administrativa em relação à cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Esse processo começou com a morte de Da. Maria I, “a louca”, tendo seu filho, D. João VI, sido convidado a passar alguns dias na Banda d´Além e sendo presenteado com um palacete que ficava próximo ao cais de São Domingos, região onde hoje se localiza a Praça da Cantareira. El-Rei D. João VI concede então ao povo o “Beija-mão”, tradição medieval que consistia na apresentação das pessoas da boa sociedade frente ao monarca para beijar-lhe a mão, era uma cerimônia honrosa para os que dela participavam.
Em 1834, três anos após a abdicação de D.Pedro I, é determinado que a então Regência Trina que governava o Império brasileiro seria mudada para uma Regência Una, e que a cidade do Rio de Janeiro se tornaria Município Neutro, sendo separada da Província do Rio de Janeiro. Assim se fez necessária a escolha de uma nova capital para tal província, que era formada pela cidade de Cabo Frio e mais dezenove vilas, que se fossem escolhidas para o posto, automaticamente se tornariam uma cidade. Assim, em 26 de março de 1835, a Vila da Praia Grande foi elevada à capital e à cidade, com o nome de Nictheroy, que significa “água escondida”, em tupi.
Durante alguns anos, após a proclamação da República, devido ao episódio conhecido como “Revolta da Armada”, ocorrido nas águas da Baía da Guanabara, a capital é transferida de Nictheroy para Petrópolis
[8]. Passado o período de insegurança, em 1902 o governo declara que a cidade deve voltar a ser a capital, fato que se concretiza em 1903.
Na década de 1970 é inaugurada a ponte Presidente Costa e Silva, ligando as cidades do Rio de Janeiro e Niterói, que recebeu a denominação popular de Ponte Rio - Niterói. Além desta ligação física, os estados da Guanabara e do Rio de Janeiro se fundem, sendo assim criado o novo estado do Rio de Janeiro. Assim, Niterói perde o seu posto de capital de estado, que retorna à cidade carioca. Uma certa depressão tomou conta da cidade fundada por Arararibóia, durante cerca de 15 anos. Porém, no final dos anos de 1980 a cidade redescobre vocações adormecidas, como a cultura e começa a resgatar sua auto-estima.
Hoje Niterói apresenta números relevantes que demonstram seu efetivo crescimento, como o primeiro lugar em renda per capita do Estado, o menor índice de analfabetismo, uma das principais cidades nacionais em qualidade de vida e demonstra um crescimento real no número de visitantes, em busca, principalmente, de atrativos culturais, como o MAC e as fortalezas.

A CIDADE DE NITERÓI E A ATIVIDADE TURÍSTICA

Como já foi destacado anteriormente, as duas cidades ligadas pela ponte Costa e Silva, possuem estreitos laços históricos. Porém, devido à maneira como ambas evoluíram, e a seus papéis na história nacional, o Rio de Janeiro despontou primeiramente como capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves; capital do Império do Brasil e capital da República Federativa do Brasil, enquanto Niterói ficou como coadjuvante no processo, chegando a ser capital do Estado do Rio de Janeiro. Devido a esse processo de sede do poder, a cidade carioca obteve um crescimento mais acelerado e conquistou a posição de “cara do país”, tendo seus hábitos de vida associados diretamente à imagem do Brasil.
Com isso o Rio de Janeiro foi palco de grandes acontecimentos, atrativo para os estrangeiros e para migrantes de todo país, apresentando um inchaço na sua população, que hoje é dez vezes maior que a de Niterói. Assim, a cultura, pelo menos em termos quantitativos, foi muito mais fomentada naquela cidade, além do número de bens imóveis construídos que hoje são atrativos turísticos consolidados, como o Paço Imperial, a Casa de Rui Barbosa e o Palácio do Catete. Niterói, “refém” à sombra daquela cidade, não obteve crescimento tão grande, nem tão rápido, e ainda hoje, em termos de atração para o turismo, está atrelada à imagem carioca.
Niterói também foi palco de alguns episódios importantes da história nacional, como a Revolta da Armada, e abriga, por exemplo, o mais antigo teatro municipal do país, o Teatro Municipal João Caetano, palco da primeira peça teatral escrita, dirigida e com atuação 100% brasileira, sendo marco do Teatro Nacional. Acontece que a cidade não possui uma rede hoteleira complexa, ou aeroporto, ficando assim atrelada à cidade vizinha, e dependente desta para a captação de parte considerável de seus visitantes.
Hoje a cidade niteroiense, por si só, não é capaz de atrair um número expressivo de demanda turística. Há na cidade, muitos atrativos culturais interessantes, como o Museu de Arte Contemporânea, cujo prédio é um projeto do famoso arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer, e o conjunto de fortalezas e fortes, considerado o maior do país. Entretanto, não é ainda habitual o deslocamento de turistas para a cidade, seja em nível internacional, nacional ou até mesmo regional, afim de lá despender mais de um dia para visitas, para melhor conhecer o município. O que se vê é a prática de excursionismo, segundo a OMT, visitantes de um dia, que não pernoitam no local. Geralmente estes são turistas hospedados na cidade do Rio de Janeiro ou moradores das cidades circunvizinhas.
Um erro até há pouco cometido, e que somente agora está sendo revertido pela Niterói Empresa de Lazer e Turismo (Neltur), era a promoção da cidade de maneira independente, como se esta fosse um produto consolidado, o que efetivamente não é. A Neltur, hoje, busca integrar Niterói à demanda que busca a cidade vizinha, e que é a cidade brasileira que recebe, anualmente, o maior número de turistas estrangeiros, Rio de Janeiro. Com isso, apesar de não conquistar turistas efetivos, o número de visitantes é crescente.
Uma saída para o turismo em Niterói, e que também é cada vez mais explorada, é o turismo de negócios e eventos. No mês passado foi realizada na cidade mais uma edição da Fenashore, uma feira de negócios com foco na indústria naval e Off Shore, que movimenta milhões de reais e que contou com a presença, dentre outros ilustres, do vice-presidente José Alencar, dada a importância do evento. Além disso, existe o plano de construção de um centro de eventos onde hoje se localiza a Concha Acústica de Niterói, o que, com certeza, atrairá ainda mais demanda para a cidade.
Pelo número crescente de visitantes e com o incremento do turismo de negócios no município, é muito provável que novos empreendimentos turísticos ou de apoio turístico surjam, abrindo assim novos postos de trabalho, que necessitarão de mão-de-obra qualificada para ocupá-los.

O PROJOVEM, A JUVENTUDE NITERÓIENSE E O TURISMO

Apesar de apresentar números muito relevantes no que se refere ao índice de analfabetismo, o mais baixo do Estado, Niterói possui áreas que abrigam habitantes de baixa renda, que não tiveram, ou tiveram pouco contato com as salas de aula. Para uma pessoa ser considerada alfabetizada, basta que ela tenha concluído o antigo Curso de Alfabetização, sabendo “ler” as letras, talvez até mesmo soletrar palavras e frases. Mas, infelizmente, saber decodificar a língua não é o mesmo que compreender o que aqueles códigos representam. As pessoas que não conseguem realizar esta compreensão, mas que decodificam caracteres são chamadas de “analfabetos funcionais”. Este é, basicamente, o público que o ProJovem de Niterói atende, jovens de 18 a 24 anos, que adentram ao programa sem entender aquilo que lêem.
Assim começa o primeiro desafio, antes mesmo de tentar ensinar sobre o mundo do trabalho, é preciso que os alunos comecem a entender, efetivamente, o que está escrito, e até mesmo, o que está sendo dito para eles. Este trabalho de letramento é árduo, e não é dever apenas do professor de Língua Portuguesa, mas de todos aqueles envolvidos no processo. Apesar de todos os esforços, alguns alunos não conseguem realizar este primeiro passo, o que compromete seu futuro educacional.
É importante lembrar que alguns destes jovens, apesar de aderirem ao programa, possuem ligações com o crime organizado, se drogam, prostituem e muitas vezes, trabalham, antes ou após o horário das aulas, o que faz com que muitas vezes estejam ausentes das carteiras. Para alguns, o ProJovem não é a perspectiva de uma vida melhor, apenas um local para interação social e onde é “fácil” obter uma renda mensal de R$ 100,00. Mas nem tudo está perdido, muitos estão se empenhando, e demonstrando evoluções fantásticas, convictos de que, se persistirem e se dedicarem, irão construir um futuro melhor.
Os alunos que sabem que possuem essa chance única, uma vez que a reprovação ao final do período letivo elimina outra possibilidade de acesso ao programa, são os maiores beneficiados com o ProJovem. Próximos à formatura, que acontecerá em novembro de 2007, os alunos da primeira turma já estão encerrando a teoria e começando a praticar o que aprenderam. Visitas técnicas, organização de pequenos eventos, city tour realizado pela cidade, são algumas das atividades já realizadas, e ainda faltam muitas outras. Estes dois últimos meses deverão ser utilizados, preferencialmente, para a realização de tais atividades.
Estes alunos, muitas vezes tratados preconceituosamente, impedidos, pela suas condições financeiras, de ter acesso a locais de cultura, começam a conhecer sua cidade, visitando museus, hotéis, fortes e fortalezas, além de outros atrativos da cidade. E justamente através deste conhecimento é que poderão desenvolver seu papel efetivo dentro do mercado profissional da atividade turística.
O grupo de educadores de turismo e hospitalidade do ProJovem de Niterói é composto por cinco alunos do curso de turismo da Universidade Federal Fluminense, que durante outubro de 2006 passaram por um processo de seleção e por um curso de capacitação em educação ministrado pela Fundação Darcy Ribeiro (Fundar). Assim, não só para os jovens que buscam o término do estudo básico este programa é importante, mas também para aqueles que estão cursando o ensino superior, e que, como o autor deste artigo, têm a intenção de seguir a carreira acadêmica.
Por fim, as palavras de Luiz Trigo se encaixam muito bem neste assunto e merecem ser aqui exibidas:

Qualquer instituição educacional, governo, empresa ou grupo que deseja promover o estudo do turismo deve entender que alguns tópicos são essenciais: analisar criticamente o processo da globalização e a dinâmica das sociedades pós-industriais; considerar a ética e a sustentabilidade como vitais para o turismo; compreender a inserção do turismo no contexto maior do entretenimento, da educação, mídia e cultura; ter consciência da necessidade de justiça social e promoção do ser humano; e finalmente que o turismo é algo divertido e deve ser aprendido e ensinado com o maior prazer possível.

CONCLUSÃO

Tendo sido apresentados os dados e análises, percebe-se que é possível se construir a cidadania através do estudo, mesmo que tardio, bastando para isso se dedicar e aproveitar a chance, que é única, empenhando-se nas atividades e aulas. O caminho nem sempre é fácil, e vida já foi muito dura para muitos destes jovens, porém, nunca é tarde demais para buscar o crescimento, seja ele pessoal ou profissional.
Percebe-se também que a cidade de Niterói, vem melhorando sua infra-estrutura turística e de apoio turístico, o que pode, em breve, se converter em novos postos de trabalho, prontos para serem ocupados por mão-de-obra qualificada. A dependência em relação a cidade vizinha do Rio de Janeiro não deve ser encarada como um revés, mas vista como uma maneira de se beneficiar de um mercado consolidado que pode gerar, efetivamente, demanda de visitantes para a cidade.
Para o futuro, espera-se que a educação pública de base seja reestruturada e possa, de uma vez por todas, funcionar de maneira eficaz no Brasil evitando a necessidade da criação de projetos paliativos, que neste país, infelizmente, quase sempre acabam se tornando permanentes. O ProJovem é uma maneira de se tentar melhorar a vida de algumas pessoas que durante muitos anos sofreram as ações das desigualdades sociais. Que os filhos destes não precisem mais de projetos assim, que tenham a educação garantida desde seus mais tenros anos de vida.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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COPPE e LTDS. Turismo e Hospitalidade – Guia de Estudo. Brasília: Ministério do Trabalho e Emprego, 2006.
LUZ, Sérgio Ruiz. O Velho Brasil Virou Pó – A trajetória que vem transformando um país fechado, agrário e atrasado numa economia moderna e globalizada. In: Revista Exame, edição especial de 40 anos, 10/10/2007.
NOVAES, Carlos Eduardo. Capitalismo Para Principiantes. 5ª Ed. – São Paulo: Editora Ática, 1984.
OMT. Turismo Internacional: Uma Perspectiva Global. 2ª Ed. – Porto Alegre: Bookman, 2003.
SALGADO, Maria Umbelina Caiafa. Projovem – Manual do Educador – Orientações Gerais. Brasília: Programa Nacional de Inclusão de Jovens, 2007.
SANCHIS, Enric. Da Escola ao Desemprego. Rio de Janeiro: Ed. Agir, 1997.
SOARES, Emmanuel de Macedo. Epigrafia do Teatro Municipal de Niterói. Niterói: Funiarte, sem data.
TRIGO, Luiz Gonzaga Godoi (organizador). Turismo – Como Aprender, Como Ensinar – Volume um. 3ª Ed. – São Paulo, Editora Senac São Paulo, 2003.
WEHRS, Carlos. Niterói Cidade-Sorriso: a História de um Lugar. Rio de Janeiro: Ed. Vida Doméstica, 1984.
http://www.cdp-fan.niteroi.rj.gov.br/niteroi.htm, acessado em 13 de outubro de 2007.
http://www.eps.ufsc.br/disserta99/schmitt/cap3.html, acessado em 13 de outubro de 2007.
http://www.projovem.gov.br/, acessado em 13 de outubro de 2007.
http://www.revistaenfoque.com.br/index.php?edicao=55&materia=307, acessado em 13 de outubro de 2007.
[1] Trabalho orientado pela Professora M.Sc. Valéria Lima Guimarães, da Universidade Federal Fluminense.
[2] Bacharelando em Turismo pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Educador de Turismo e Hospitalidade do Programa Nacional de Inclusão de Jovens (ProJovem) - Niterói. E-mail: erickturismo@hotmail.com.
[3] A parte profissional do projeto é dividida em duas etapas. Na primeira o aluno assiste à aulas de Formação Técnica Geral, aprendendo sobre leis, direitos e deveres inerentes a trabalhos de qualquer ramo profissional. Já na segunda etapa, escolhem, dentre quatro opções, um curso de especialização. Além do curso de Turismo e Hospitalidade, o ProJovem de Niterói oferece também os cursos de Metalmecânica; Construção e Reparos; e Serviços Domésticos.
[4] Ajudante de garçom que, entre outras atividades, limpa e organiza o local de trabalho, prepara os aparadores e mesas, limpa equipamentos e utensílios de trabalho e retira pedidos na cozinha e na copa.
[5] Há certo erro em se considerar a cidade de Niterói como tendo sido fundada por um índio, pois naquela época ela era apenas uma aldeia, só sendo elevada à categoria de cidade em 1835.
[6] Nascido na Ilha de Paranapuã, hoje Ilha do Governador, no município do Rio de Janeiro, era filho de Maracajaguaçú, considerado por alguns historiadores como o maior líder que a tribo dos Temiminós teve. Foi um valoroso guerreiro na luta dos portugueses contra os franceses que queriam instaurar, nas terras banhadas pela Baía da Guanabara, a chamada França Antártica. Após as batalhas que determinaram a expulsão destes últimos, foi batizado com o nome católico de Martim Afonso de Souza e recebeu as terras chamadas, a época, de “Banda d´além”, atual Niterói, em 22 de novembro de 1573, como recompensa pelos serviços prestados à coroa portuguesa. O gesto dos portugueses foi muito mais estratégico do que por gratidão, pois com os indígenas na margem leste da Baía, estes ficavam responsáveis pela vigilância e proteção daquela área.
[7] Após serem expulsos de sua terra natal pela tribo dos rivais Tamoios, muito mais numerosos na região, transferiram-se para a capitania do Espírito Santo, retornando alguns anos depois, trazidos pelos conquistadores portugueses, para servirem de guias nas terras da região, que bem conheciam, na luta contra os franceses.
[8] É interessante o fato de que, apesar de Petrópolis ter a fama de Cidade Imperial, é Niterói que possui este título de nobreza, recebido em 22 de agosto de 1841, através do Decreto no 93.

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